sábado, 21 de agosto de 2010

O tempo, o animal e os sentidos da razão -Do ponto à poesia

Questionando o sentindo da maneira como vive-se mal o hoje em busca de um eterno amanhã, há algum tempo considerei que devêssemos aprender com os animais (aqueles que pastam, por exemplo) o valor do presente; afinal, o futuro, como o passado, não existem, de fato; o que existe, o tempo da conjugação do verbo revela. O futuro (possivelmente, o próximo segundo ao menos) existirá; o passado, existiu; e ambos, enfim, se realizam apenas na intangibilidade do presente; e assim, é só este instante que temos.
Depois considerei que em muitos momentos, principalmente quando em "bando", de fato somos, neste aspecto, como os animais, e isso acaba se revelando um problema.
Obviamente devemos conferir alguma importância à qualidade da vida presente porque de fato pode nos faltar um amanhã. Mas se de maneira mais drástica carecemos de noções de passado ou futuro, nos entendemos como um ponto apenas e assim somos incapazes de construir maiores sentidos. Nossa instintividade ou intuição nos orientaria apenas para a precária manutenção daqueles instantes -o que deve significar que não nos converteríamos necessariamente em baderneiros, mas provavelmente em seres impulsivos, imprevisíveis e, ao mesmo tempo, despreocupados ou ingênuos demais para executar qualquer projeto que pudesse conferir algum sentido à nossa existência, garantir alguma qualidade de vida, ou mesmo mantê-la. Pouco conseqüentes, como a mariposa que procura até a morte o calor da lâmpada, acabaríamos cometendo o que se considerariam "irracionalidades" contra nós mesmos ou outros de nossa ou diferentes espécies.
Mas, devemos concordar, animais não racionais não cometem uma fração das atrocidades que cometemos. O que nos justifica?
Dotados de racionalidade, apreendemos a passagem do tempo e somos capazes de, nele, construir sentidos; Guardamos memórias de um passado - somos capazes de entender nossa situação como resultado de um processo histórico pessoal e social - e somos capazes de projetar um futuro, de modo que deixamos de nos entender como um ponto e nos convertemos em linha. E, como são escolhas que definem o percurso de uma linha - como bem demonstra o calígrafo -, são elas que permitem a construção de sentidos.
O problema é que, se cometemos atrocidades, nossa racionalidade, por paradoxal que seja, não deve ser tão inteligente assim; os sentidos que construímos freqüentemente se revelam pouco sensatos, o que implica na óbvia constatação de que temos feito más escolhas. Pudessem algumas espécies construir sentidos, teriam chegado à conclusão que teriam de se livrar da nossa, para que se preservassem. (Talvez, por excesso de maus sentidos, ainda nos encarreguemos desse fim.)
Enquanto ainda há tempo, concluo que não é tanto que devêssemos aprender com os animais sobre o presente - o que de maneira drástica significaria a negação da validez da construção de sentidos pelo uso da razão- mas antes, que devemos aprender com eles a construir melhores sentidos; inclusive aqueles que nos permitam preservá-los e a nós mesmos.
Se por um lado a sugestão reafirma a já antiga e algo falida fé na razão, ela deve, pela inspiração animal, subtrair a mesquinharia e arrogância que são, em grande parte, intrínsecas ao modelo tradicional.

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