sábado, 27 de agosto de 2011

"...
Escutamos a voz dos outros com os ouvidos (portanto no mundo do comunicável), mas escutamos nossa voz, de nós mesmos (e mesmo do outro de nós) com a nossa garganta. E o milagre, a maravilha, é até o 'horror quase místico', é que acontece de escutarmos a voz do outro, a outra voz, com a nossa própria garganta. Essa 'violência comunial' se chama amar; amar de amizade (é a 'fraternidade viril' experimentada no combate) ou amar de amor (é o enlace, a comunhão dos amantes 'no continuum animal e noturno'). Mas isso se chama também ler, ouvir 'subir pela garganta a voz das obras mudas', quer dizer, destiná-las a si. É por essa fusão apenas [de duas gargantas em uma] (que) a perenidade eventual das obras pode ser compreendida.
...
O afeto, a 'frase' inarticulada, impartilhável que é, seu excesso e sua dívida – e portanto a tarefa de testemunhar isso, de dá-lo à partilha da 'sensibilidade'–, eis o que impediria de conceder a última palavra à melancolia do 'nada vale', e mesmo a do 'nada existe'. Pois há, resta, 'contudo', um algo: a maravilha, ínfima e precária, que é um sinal feito pelo desconhecido, subindo pela garganta, transfundido de garganta em garganta, por ocasião de um encontro, de amizade, de pensamento, de escrita.”

Trechos de “A dívida de Afeto” de Plínio W. Prado Jr, sobre a obra de Jean-François Lyotard.

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