quarta-feira, 18 de julho de 2012

prazer para mudar o mundo, ou da política dos prazeres


"balela"

Há algum tempo circulou pela internet um vídeo em que uma jornalista demonstrava-se indignada com o carnaval. Segundo sua análise, a 'folia' seria profundamente condenável em condições sociais tais como as nossas. Pela profusão que obteve na internet, no entanto, sua fala parecia verbalizar algo como um peso na consciência de muita gente: algo que muitos pensam, mas poucos tinham coragem de dizer, como apontava um comentário. Longe de ser um caso isolado, vídeos e textos aparecem a todo instante revelando que, para muito além do carnaval, ronda ao redor de toda a produção da chamada "indústria cultural" um clima generalizado de suspeita. Há, nesse contexto, espaço para prazer legítimo, sem culpa ou suspeita? 
                                  o corpo e o sexo à serviço da marca. Discursos das cores das peles, e das formas espetaculares dos corpos; prazeres contraditórios.

Entre o moralismo chato que se pretende responsável, de um lado, e a inocência inconsequente do seu oposto hedonista, do outro (ambos explorados economicamente das mais diversas formas), vemos se desenvolvendo por toda parte uma série de fenômenos sociais mais ou menos graves. A banalização do desenvolvimento de quadros psicopatológicos, como a depressão, por exemplo, nos fala da perda do sentimento de prazer e da sua substituição pelo sentimento de culpa. Seria uma hipótese demasiadamente dramática considerar que nossa sociedade se desenvolveu de tal forma que o prazer legítimo deixou de ser, para muitos, uma possibilidade?


Se é verdade que exista, o sentimento de culpa não deve dar-se tanto por algo como a noção religiosa de pecado como ocorria até pouco tempo, mas, como sugere a jornalista, pelo mínimo sentimento de responsabilidade moral ou, para por de outra forma, pelo sentimento de que ignoramos uma ética conduzindo nossas vidas normalmente num contexto social, político e econômico tal como o nosso. Enquanto alguns evidenciam o próprio mal-estar social quando optam por sair às ruas gritando por ideais como liberdade e justiça, ou, de modo mais indireto, quando se debruçam sobre noções afins na rotina de seus trabalhos nas mais diversas áreas, a maioria de nós, resignados em bolhas sociais e completamente cegos socialmente, se contenta com formas medíocres de prazer.


É provável que o homem nunca tenha sido, em toda a história de sua evolução, tão solitário quanto na contemporaneidade. É possivelmente o que justifica o interesse quase urgente de estabelecer vínculos pessoais em grande quantidade, sejam eles parceiros sexuais ou amigos do facebook. Nestes casos, o nível de relação que se estabelece tende a ser muito pouco aprofundado, pela própria ligeireza dos contatos. O prazer desloca-se muito intensamente, de todo modo, para o âmbito privado e supostamente protegido das relações sociais mais pessoais e de certo modo culmina, a meu ver, nas relações conjugais. Inconscientemente consideradas espécies de refúgio da conturbada, mas monótona, vida pública, onde todos os prazeres parecem suspeitos, relacionamentos a dois mais duradouros e convencionais passam a ser desejados como redutos definitivos de prazer - prazer passional e incondicional -, o que comprova possivelmente o conservadorismo romântico vigoroso de nossa sociedade moderna. Este ideal de relacionamento é, aliás, explorado pela indústria cultural, em grande medida responsável por alimentar imaginários infantilizados de relações conjugais. Mas, quando o imperativo de uma relação torna-se tão assumidamente o prazer, conflitos e crises, quando suportados, o são com muito maiores dificuldades. Frustração e desapontamento tornam-se cada vez mais rotineiros. Além disso, a concentração tão restrita da dimensão de prazer a relacionamentos conjugais se relaciona ao desenvolvimento de comportamentos neuróticos e obsessivos cada vez mais frequentes. 

O prazer legítimo não deve, porém, ser buscado de modo tão restrito na esfera privada, nem deve, de modo mais particular, estar tão condicionado a relacionamentos conjugais. Para agir no sentido de ampliar a esfera do prazer em direção a âmbitos muito além dos privados, é preciso em primeiro lugar investigar possibilidades de desvincular a conexão entre prazer e mal-estar social

Perguntar-se hoje pela ética do prazer é questionar-se a respeito das possibilidades subversivas do prazer; no sentido de que prazeres socialmente bem estabelecidos, como aquele de possuir um carro, por exemplo, são prazeres explorados e mesmo estimulados para a manutenção da ordem, e por isso mesmo, acabam sendo falsos prazeres. Prazeres legítimos, por não serem previstos, possuem discursos que não endossam discursos normativos, e são legítimos justamente por isso, porque os devoram. O prazer de caminhar pela rua durante a noite, por exemplo, é engolido quando as pessoas por quem passo sentem medo de mim, ou quando me assaltam e me apontam pra cabeça uma arma, ou quando preciso desviar de mendigos.

Que prazeres, ao invés de serem engolidos, engolem?

Enquanto o medo, a culpa e o mal estar destroem a legitimidade dos prazeres, prazeres imprevistos ampliam a esfera da liberdade, propondo alternativas aos valores dominantes; obviamente aqueles que encarnam os valores dominantes, vendo-se ameaçados, podem reagir agressivamente, mas se estivermos bem seguros de nossos prazeres, poderemos ao menos argumentar. Se a polícia surgir para nos calar, talvez seja um "prazer legítimo" pedir que sumam. Quando o prazer se torna combustível da indústria cultural, é praticamente impossível pensar em prazer que constitua um ponto fora da linha. A homossexualidade já pôde ser pensada nessa chave, mas agora que é prevista e explorada, não mais... 



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Penso nas propostas estéticas da Voodoo Hop (SP), da Companhia Silenciosa (Curitiba); da Selvática Ações Artísticas (Curitiba) e; num âmbito não tão distinto assim, da Marcha das Vadias (Curitiba). São movimentações culturais que trazem a questão do prazer de volta à cena pública, com discursos certamente marginais aos hegemônicos. A 'folia' proposta por esses grupos enriquece todo o campo da produção estética de nossa cultura com discursos muito mais desejáveis do que outras folias, porque mais diversos.



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