quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Fragmentos

As razões da escrita

Escrevo para que minhas ideias não morram comigo. Como que para deixar registros dos lugares por onde pairou meu pensamento. Para que minha experiência sirva para clarear alguns aspectos do Espírito em mim e para além de mim. Pode ser que não seja grande coisa, mas não importa; às vezes o sentimento de conexão é tanto, que é como se o estado de coisas no mundo dependesse do modo como as ideias se desenvolvem por aqui – como se na realização deste trabalho tivesse poder de interferência sobre aquela parte coletiva de nós mesmxs de que falaram pessoas como Jung.
(...)
Temo ser mal compreendido. Que me achem pretensioso, e que na apreciação dessas coisas que digo se limitem ao que considerarem ser meu ego. Por outro lado, não quero que esse temor reduza o que acredito ser minha potência. Na realidade, trato do espírito, e sei que o meu pensamento não é melhor que o de ninguém; eu apenas tenho dedicado mais tempo do que o habitual em nossa época para desenvolvê-lo. Por que como artista, estou muito próximo do vagabundo, e desejo continuar por aí, pois o trabalho de arte importa, mesmo que pareça completamente inútil...

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Organização

É relativamente recente o momento histórico que nos permite considerar como podemos agir enquanto grupo. Há pouco tempo, a estrutura dos comportamentos era tão rígida que certas condutas não eram questionadas. A mulher, por exemplo, não podia estudar, nem escolher com quem casaria...Somente em condições muito particulares poderia dar vazão a vontades que fossem as suas próprias, e não as de seu pai ou marido. Hoje a situação é outra. Ao menos na maior parte dos lugares, mulheres podem estudar, trabalhar e escolher com quem vão casar, se vão casar; quando e de que forma serão mães, se serão mães... Não podemos ser ingênuxs, porém, de pensar que agora as coisas são perfeitas, ou que devem permanecer exatamente como estão, simplesmente porque em certos aspectos elas estão melhores do que há tempos atrás. Tanto para as mulheres quanto para além delas, inúmeras pessoas continuam sendo vítimas de violência. Penso não apenas nas pessoas que geralmente habitam as margens de nossa cultura, como se dela não fizessem parte: pobres, negrxs, índios, homossexuais, transexuais, transgêneros, mas também na estrutura autoritária que permanece governando com rigidez a vida das pessoas no trabalho, por exemplo. O fato é que em qualquer caso, pelo modo como a violência é naturalizada, muitas vezes ela nem chega a ser por muitos reconhecida, especialmente, eu diria, por aqueles que a praticam – todos nós nos momentos em que somos autoritários. Se podemos porém admitir, com todas as diferenças entre nós, uma unidade, e se atribuímos a ela uma significação superior - a meu ver o que permite a ideia de Deus e do Espírito - então deixa de ser sensato que haja medo na relação entre diferentes, pois já isso configura violência dependendo do modo como inibe a singularidade da forma como a potência de vida se manifesta em cada parte. A realização da nossa potência de vida deve ser sem limites, porque é importante que vivendo sejamos todos livres. Como isso é possível? Pela arte. Pois se mantemos desperta a consciência de que as coisas podem ser de outro modo, afinal, nossa experiência de vida é sempre experiência de transformação, então podemos nos servir de nosso conhecimento histórico, assim como de nossa imaginação criativa, para nos organizar e criar um presente sempre diverso; inspiradxs, talvez, na combinação de nossas melhores ideias de passado e de futuro, assim como nas ideias que temos de como foram e são outras culturas. Alguém tem dúvida de que na relação com a terra, por exemplo, temos muito o que aprender com os índios? A inteligência industrial do homem branco, afinal, ao mesmo tempo em que foi responsável pelo aumento da produção de certos produtos, foi responsável por uma série de catástrofes... Se a vida é experiência de transformação, cabe reconhecer que ao longo da história nem todas as transformações tiveram saldo positivo. Tanto que muitas coisas que em outras épocas foram consideradas progresso, hoje são reconsideradas. Não que devamos buscar uma espécie de retorno a um estado perdido, uma condição passada, mas sim recuperar saberes que a violência naturalizada no passado não nos permitiu enxergar.

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A morte

Para a realização da nossa potência de vida, nem mesmo a morte deve ser um limite. Isso pode apenas ser concebido se percebemos sem tantos temores que vivendo vamos naturalmente morrendo, e que podemos viver mais e melhor se atentamos ao modo como temos morrido. Podemos não reconhecer as coisas desse modo, mas nossa cultura tem seus ritos de morte. Reconhecê-los nos permitiria propor que se tornem outros, o que certamente alteraria o modo como estamos vivendo. Aprenderíamos a viver com menos medo da morte, e passaríamos a aceita-la, talvez, como quem vive para ela.

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Festa e política

Dia desses vi gente “engajada” criticando “festas apolíticas”. Fiquei pensando se isso existe. Festa de verdade reúne gente em torno da arte, tem música e dança, pelo menos...só por isso, nenhuma festa é propriamente apolítica. É claro que o discurso político de uma festa em ambiente fechado, onde os que entram são selecionados pelo valor de entrada, é muito distinto daquele de uma dessas festas que ocorrem em espaços públicos, e q são gratuitas. No fim, havendo opções, cabe a cada um de nós considerar quais meios frequentar e q discursos endossar: nosso mundo vai se criando a partir dessas decisões.

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A realidade do mundo

O mundo não é isso de que nos falam os telejornais. O mundo tem a dimensão de nossa experiência. É preciso recobrá-la para torna-la mais significativa: que experiência de fato temos do mundo?

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